terça-feira, 9 de agosto de 2016

Aula 3 de Astronomia: Atmosferas de Outros Mundos - Parte 2

Aula 3 de Astronomia - Continuação...

Vênus é um planeta com uma atmosfera esgotada, mas outro vizinho rochoso da Terra conta uma história bem diferente. 
Deserto da Namíbia
Na foto acima, vemos dunas do deserto da Namíbia. É um lugar absolutamente espetacular. Este lugar não é o mais quente nem o mais seco deserto do mundo, mas estas dunas são algumas das mais antigas dunas de areia do mundo. Existe uma grande analogia entre a superfície de Marte e este deserto. É com isto que a superfície de Marte se parece. Essas dunas, denominadas dunas Barchan, em forma de meia-lua, são idênticas às dunas de areia de Marte. Então, se você quiser ter uma idéia de como se pareceria a superfície de Marte, este é o lugar para vir. 
Imagem de Marte tirada pelo robô espacial Opportunity
Há um veículo rodando na superfície do "planeta vermelho" hoje, denominado Opportunity. As sondas e naves espaciais que circundam o planeta enviam imagens que mostram Marte em extraordinários detalhes. Marte tem vastas dunas, vulcões enormes e geleiras gigantes. Tem cânions e vales fluviais. Marte é a versão seca e gelada de nosso lar, coberto de poeira vermelha e areia. E tudo isso devido ao fato de que Marte praticamente não tem atmosfera. 


Acima, sequência de fotos mostrando Cânions, Geleiras e Vulcões em Marte
Mas há indícios de que as coisas nem sempre foram assim. Uma foto tirada da superfície de Marte em Agosto de 2009, mostrou uma rocha cravada na superfície de Marte, em frente ao robô. Esta rocha é, na verdade, um meteorito de ferro e níquel de mais ou menos uns 60 centímetros de diâmetro e pesa meia tonelada. Veio do espaço, atravessou a atmosfera marciana e parou no chão. Mas o mistério é que, um meteorito desse tamanho, se chocando com Marte hoje, se desintegraria quando atingisse a superfície. Ele estaria viajando muito rápido e isso porque a atmosfera de Marte é muito fina, muito difusa para freá-lo. Mas esse meteorito está definitivamente lá. Então, como poderia ter chegado ao solo? Bem, deve ser porque, no passado, quando o meteorito atingiu Marte, A atmosfera de Marte era significativamente densa o suficiente para retardar a velocidade deste pedaço de rocha que conseguiu pousar intacto na superfície.

Rocha da superfície de Marte fotografada pelo robô Opportunity
Mas por que Marte perdeu sua atmosfera e se tornou o planeta estéril de hoje? Há tantas maneiras de planetas perderem suas atmosferas que parece um milagre ainda termos a nossa.
Mas, com Marte, é consenso que um dos mecanismos dominantes foi a interação com os ventos solares.
O vento solar é um fluxo de partículas superaquecidas, eletricamente carregadas  que constantemente fluem do Sol a um milhão de quilômetros por hora. Esta onda de átomos esmagados tem poder para tirar de um planeta sua atmosfera. Na Terra, estamos protegidos contra esse ataque por um escudo invisível que circunda completamente nosso planeta, conhecido como magnetosfera. A magnetosfera é criada na zona profunda do núcleo de ferro fundido da Terra. Quando o núcleo gira, gera um poderoso campo magnético que surge no pólo e envolve todo o planeta. Essa blindagem magnética tem força para desviar a  maior parte do vento solar. Ora, sabemos que em algum momento, no passado, Marte teve também um  núcleo fundido e um campo magnético. Mas porque Marte é um planeta menor que a Terra, perdeu seu calor mais rapidamente e o núcleo solidificou. Correntes elétricas não podiam mais fluir e seu campo desapareceu. E esse foi um importante fator que permitiu que o vento solar atingisse o planeta e removesse sua atmosfera. Sem atmosfera para isolá-lo, esse mundo, outrora como a Terra, transformou-se no deserto gelado que vemos hoje. Uma sombra de sua formação original.
Magnetosfera Terrestre - Protege nosso planeta dos efeitos do "Vento Solar"
Embora Marte tenha perdido a maior parte de sua atmosfera, essas moléculas que ainda permanecem têm o poder de esculpir e mudar a superfície E esse poder, esse efeito transformador, está presente em cada planeta do sistema solar que possui uma atmosfera. Você pode vê-lo modificando a superfície do deserto da Namíbia, como dissemos. É, naturalmente, a força da natureza que chamamos de clima. O clima é uma característica de cada planeta com uma atmosfera. Nosso mundo é modificado quando a massa de ar se move através de sua superfície. Mas, quando olhamos para o sistema solar, vemos que só precisa de uma atmosfera mínima para produzir um clima espantoso. Todos os anos, tudo em Marte desaparece em um redemoinho de areia. As tempestades de areia globais são tão grandes que cobrem o Olympus Mons, um vulcão três vezes maior que o Everest.
Todo ano, gigantescas tempestades de Areia cobrem a superfície de Marte
Mas para a experimentarmos o clima mais extremo e violento no sistema solar, precisamos viajar até Júpiter.
Júpiter - O Maior Planeta do Sistema Solar
Esta faixa gigante de gás tem mais de 140.000 quilômetros de diâmetro. Sua atmosfera não é uma fina linha azul. É de milhares de quilômetros de espessura e um estado constante de movimento fervilhante. Toda a superfície ferve com tempestades gigantescas.
Porém, este estranho mundo compartilha uma característica com o nosso planeta. Júpiter crepita ao som de tempestades  elétricas. Os relâmpagos são milhares de vezes mais brilhantes que um relâmpago na Terra. A física das tempestades de Júpiter é a  mesma das tempestades da Terra. O ar quente e úmido da atmosfera começa a subir, e à medida que sobe esfria. E a umidade condensa e forma as nuvens. Ora, o ar ascendente deixa uma lacuna abaixo dela, uma área de baixa pressão, e quanto mais quente, mais ar úmido é sugado, aumentando a tempestade.
Tempestade elétrica em Júpiter
Na Terra, os sistemas de tempestades são movidos pelo poder do sol. Eis um mistério, porque as tempestades em Júpiter são muito mais poderosas, ainda que Júpiter seja cinco vezes mais distante do Sol que a Terra, o que significa que recebe 25 vezes menos energia solar. Que mecanismo teria poder de provocar tempestades tão violentas em Júpiter? O segredo para as tempestades em Júpiter está escondido dentro do gigante gasoso.
Na Terra, temos limites claros entre o céu gasoso, os oceanos líquidos e a terra firme. Mas em Júpiter, não existem tais fronteiras. É um gigante gasoso, com dois elementos mais leves e abundante no universo, hidrogênio e hélio. Mas quando você vai fundo na atmosfera de Júpiter, algo muito estranho e interessante acontece com os gases. A atmosfera de Júpiter é tão grande e sua  atração gravitacional tão forte, que 20 mil quilômetros abaixo do topo das nuvens, a pressão é 2.000.000 vezes maior que a pressão na superfície da Terra. Sob essa enorme pressão, o gás hidrogênio da atmosfera é transformado em um estranho líquido metálico. Quando os gases são comprimidos, uma grande quantidade de energia é liberada, energia suficiente para abastecer as maiores tempestades do sistema solar. A maior de todas é a Grande Mancha Vermelha. Este anti-ciclone gigante vem ocorrendo por centenas de anos e é grande o suficiente para engolir a Terra três vezes. A Grande Mancha Vermelha é um espetáculo impressionante.
A Grande Mancha Vermelha de Júpiter - Uma tempestade de centenas de anos
Quando passamos a visitar outros mundos, descobrimos que as luas do sistema solar formam um surpreendente, interessante, variado e fascinante conjunto de mundos.

Esta é a lua de Júpiter, Europa.

Esta é a lua de Júpiter, Io, o objeto mais vulcânico do sistema solar.


De todos os mundos lá fora, a lua de Saturno, Titan, é única. Sua atmosfera é mil km mais profunda e quatro vezes mais densa que a atmosfera da Terra.  Quero dizer, imagine que uma lua gira em torno de um planeta gelado, nos rincões do sistema solar com uma atmosfera mais densa e mais espessa do que a nossa. Titã tem a atmosfera mais parecida com a da Terra, em todo o sistema solar. Uma grossa linha azul, rica em nitrogênio e contendo metano.

Titan - Lua de Saturno com uma rica atmosfera de Nitrogênio e Metano.


À primeira vista, esse pequeno mundo não poderia reter uma atmosfera tão densa, exceto que Titan encontra-se em uma das regiões mais frias do sistema solar, e isso faz toda a diferença. A temperatura para gases como este, os gases de nossa atmosfera, é realmente uma medida de quão rápido as moléculas do gás estão se movimentando. Quando você aquece um gás, significa, basicamente, que você aumenta a velocidade de todas as moléculas deste gás. À medida que as moléculas de ar se aquecem e se movem mais rápido, a pressão do ar força as moléculas a sair. Gás quente tem mais energia para fugir da gravidade de um planeta que gás frio. Titan é um corpo menor que a Terra. Tem força gravitacional muito mais fraca, e se estivesse na mesma região do sistema solar que estamos, não seria capaz de sustentar sua atmosfera. Mas, está muito mais longe do Sol do que a gente. Lá é mais frio, as moléculas de sua atmosfera são mais lentas que as nossas. Significa que sua fraca gravidade pode segurar essa atmosfera espessa e densa.
Ilustração da Nave Espacial Cassini rumo a Saturno

A espessa atmosfera de Titã foi uma descoberta inesperada, mas desencadeou uma audaciosa missão para revelar ao mundo o que está sob o cobertor de nuvens.  Decolamos a nave espacial Cassini para uma jornada de 1 bilhão de quilômetros até Saturno. Em 1997, a Cassini iniciou sua jornada até Titan. Levou com ela a sonda Huygens, destinada a desembarcar nessa lua congelada.
sonda Huygens em testes antes de ser enviada a Saturno
No natal de 2004, Huygens foi lançada a partir de Cassini e começou a difícil jornada através de uma das atmosferas mais intrigantes do Sistema Solar. E então, pela primeira vez,as nuvens se abriram e a superfície de Titã foi revelada.
Imagens feitas pela sonda durante a descida na Lua de Saturno
Imagens da superfície de Titã
O mundo revelado era mais familiar do que poderíamos imaginar. Ninguém tinha ideia do que esperar. Não se sabia se haveria crateras como na lua ou só uma extensão plana de areia, e, em seguida, estas primeiras imagens chegaram. Eram incrivelmente familiares. Pedras arredondadas dominam a paisagem. São suaves e parecem ter sofrido erosão pela água, semelhante a pedras encontradas no leito de um rio, aqui na Terra. Foi uma  descoberta extraordinária. Evidências de rios correntes nunca tinham sido encontradas em uma lua. Mas não foi a única surpresa que Titã havia nos reservado.

Geleira Matanuska no Alasca
Esta é a geleira Matanuska no Alasca. É realmente um dos lugares mais impressionantes já vistos.  E toda esta paisagem é testemunha do poder erosivo deste material. Esta mistura de gelo e rocha à medida que rola vale abaixo ao longo de centenas de milhares de anos, cria essa paisagem surpreendente. Mas a razão disso ocorrer é o delicado equilíbrio da atmosfera da Terra. Nosso planeta tem temperatura e pressão apropriadas para que exista água sólida, líquida e como o gás, como o vapor nas nuvens. E assim o Sol pode aquecer os oceanos e levar a água ao topo das montanhas. Ele pode cair como chuva, virar gelo, tornar-se uma geleira e então, se derramar pelo vale para esculpir esta paisagem surpreendente. Assim como nossa atmosfera permite que tudo isso exista, a atmosfera de Titã tem a temperatura e pressão ideais para que exista algo que nunca havia sido visto antes em um mundo além da Terra.

Lagos de Hidrocarboneto em Titã
Esta é uma foto tirada do pólo sul de Titã pela Cassini em junho de 2005, e se tornou uma das imagens mais importantes e fascinantes da história da exploração espacial. A parte interessante é essa massa negra. Esta foto é uma imagem de radar. O preto significa que as ondas de radar que passaram por elas não voltaram, por isso são completamente negras, e só há uma boa explicação para isso. É que são  superfícies incrivelmente planas. De fato, são superfícies líquidas. Isso significa que esta é a primeira observação de um líquido, um lago na superfície de um corpo diferente da Terra, no Sistema Solar. Mas esses lagos, naturalmente, não podem ser lagos de água líquida, porque a temperatura da superfície de Titã é -180 Celsius e, a essas temperaturas, a água congelada é tão dura quanto aço. Então, se não são lagos da água, de que são?

Lago Eyak no Alasca
Este é o Lago Eyak no Alasca, próximo a Prince William Sound. Aqui existe uma molécula ou substância muito abundante em Titan. Na verdade, é  abundante em todo o sistema solar, mas aqui na Terra existe como um gás e borbulha do fundo deste lago.
O fundo do Eyak é cheio de vegetação podre, folhas, pedaços de árvores, que são consumidos por bactérias que produzem o gás que borbulha do fundo do lago. Esse gás é o metano. Na Terra, o metano é muito instável. Se dermos nele um leve click na presença de oxigênio, temos o que os químicos chamam de reação exotérmica. Metano mais oxigênio gera água mais dióxido de carbono e um pouco de energia. A temperatura e a pressão atmosférica da Terra fazem com que o metano só possa existir como um gás altamente inflamável. Mas a pressão atmosférica e a temperatura de Titã são ideais para que o metano exista como sólido, gás e, mais  importante, um líquido. As imagens capturadas pela Cassini eram gigantescos lagos de metano líquido. O primeiro líquido já descoberto na superfície de outro mundo do Sistema Solar.

Kraken Mare
Este é Kraken Mare. Tem mais de 400.000 quilômetros quadrados, É o maior corpo líquido de Titã. Tem quase cinco vezes o tamanho do lago Superior, maior lago da América do Norte. Em Titã, o metano executa exatamente o mesmo papel que a água aqui na Terra. Então, onde temos as nuvens de água, Titã tem nuvens de metano com chuva de metano. Como temos lagos e oceanos de água, Titã tem lagos de metano líquido. E que, aqui na Terra, o Sol aquece a água dos lagos e oceanos, e enche nossa atmosfera com o vapor d´água, em Titã o Sol eleva o metano dos lagos e satura a atmosfera com metano. Enquanto na Terra o ciclo é hidrológico, em Titan há um ciclo metanológico. E a chuva seria uma visão absolutamente mágica em Titã. Porque a atmosfera é tão densa e a gravidade da Lua tão fraca, que as gotas de chuva de metano podem crescer até um centímetro de tamanho e caem no chão lentamente, como flocos de neve sobre o solo do nosso planeta. Milhares e milhares de galões de metano líquido devem chover lentamente sobre a superfície, fazendo com que rios e córregos encham e arrebentem.

Chuva de Metano em Titã
Ravinas profundas cortadas na paisagem de água congelada parecem ser bastante familiares, porque são familiares. É isso. A atmosfera de Titan forma a superfície, exatamente da mesma maneira que a atmosfera aqui da Terra forma a superfície do nosso planeta. Titan é como a Terra primordial presa em um profundo congelamento. É quase como olhar para trás, no tempo, quatro bilhões de anos e ver nosso planeta antes da vida. O início da mudança de nossa atmosfera, mudança para a atmosfera rica em oxigênio que vemos hoje. De várias maneiras, Titan parece muito familiar. É um lugar com rios, lagos, nuvens e chuva. É um lugar com água, ainda que congelada tão dura quanto aço, e um lugar de metano, embora tão frio que o metano é líquido, que flui e forma paisagens como a água faz aqui na Terra. O mais importante sobre Titan, é que agora temos dois mundos parecidos com a Terra em nosso sistema solar. Um é essa região quente, 93 milhões de milhas de distância do Sol, e o outro num congelamento profundo, a um bilhão de milhas de nossa estrela em órbita de outro planeta, o que deve aumentar muito a probabilidade que existem outros planetas como a Terra em órbita de centenas de bilhões de estrelas lá fora, no Universo.

FIM


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